domingo, 6 de novembro de 2011

Os Espiões

"Certa vez recomendei a uma mulher chamada Corina que se ocupasse de afazeres domésticos e poupasse o mundo de sua óbvia demência,a de pensar que era poeta.Um dia ela entrou na minha sala brandindo o livro rejeitado que publicara por outra editora e o atirou na minha cabeça.Quando me perguntam a origem da pequena cicatriz que tenho sobre o olho esquerdo,respondo:
-Poesia"

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

Cause in my head there's a Greyhound station

Caindo na indiferença de novo.Dessa vez a queda está mais lenta e os relacionamentos mais curtos.Eu já consigo entender perfeitamente o que está acontecendo e não me importo muito.Não procuro mais na multidão rostos que possa me entender nem pessoas com quem eu queira falar.Encontro meu refúgio nos livros e no passado que sempre parece mais poético que o presente e quarda uma segurança que não se sente quando se pensa no futuro.Tenho tanta coisa na minha cabeça que na hora de falar não consigo organizar as palavras.Estou cercada de pessoas e me sinto sozinha.Mas isso não me desespera mais e minhas lágrimas já secaram.Eu não quero ninguém,quero me levantar sozinha e permanecer assim pelo tempo que achar necessário.

sábado, 5 de novembro de 2011

"E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo, No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também."